1 – O que é uma Misericórdia?

É uma Irmandade (associação ou congregação) de leigos, animados pela mesma fé e unidos pelos mesmos objectivos de testemunharem em colegialidade uma caridade fraternalista, constituindo uma presença e uma força de esperança junto de todos os que precisam.

2 – Quem é irmão da Misericórdia?

Todo aquele que, vivendo e testemunhando por ideias, palavras, obras e modos de comportamento, uma evangélica vocação de voluntariado generoso de fraternidade, se propõe, de acordo com as normas históricas do compromisso, prestar um serviço de ajuda e atendimento, mas ao jeito do Bom Samaritano.

3 – Como se define e expressa a vocação especifica de um Irmão da Misericórdia?

Sentindo-se, tal como Jesus Cristo o disse e protagonizou, mais próximo de quem precisa de ajuda, sem exigir condições nem pedir contrapartidas de qualquer ordem, tendo apenas em conta o bem que presta, e nunca as vantagens de que possa pessoalmente beneficiar.

4 – Que significa “misericórdia”?

Conforme o expressa a própria palavra na sua decomposição literal “Miseris + cor + dare” ou seja: Ter lugar no coração para todos os que são vitimas de qualquer forma de miséria. Ou “dar o coração aos miseráveis vítimas de qualquer miséria”, sem discriminação alguma nem exclusão de qualquer natureza.

5 – Sendo as 14 Obras de Misericórdias um programa de acção com estatuto evangélico, como foram as mesmas equacionadas nas palavras de Jesus?

– Tive fome e deste-me de comer;
– Tive sede e deste-me de beber;
– Estava nu e vestistes-me;
– Andava errante e acolheste-me;
– Estava doente e visitastes-me;
– Estava prisioneiro e libertaste-me;
– Morri e deste-me sepultura;

Estas as obras de misericórdia ditas Corporais.

As espirituais enunciam-se assim:

– Dar bom conselho a quem pede;
– Ensinar os ignorantes;
– Corrigir os que erram;
– Consolar os que estão tristes;
– Perdoar as injúrias;
– Suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo;
– Rogar a Deus pelos vivos e pelos defuntos;

6 – Quem deve ser considerado o nosso próximo?

Todo aquele de quem cada um mais se aproximar; e não tanto aquele que mais simpatia ou afinidade, étnica, cultural, social, religiosa, política ou outra, possa ter connosco. Para a caridade não há fronteiras de qualquer natureza. Para quem ama não há distâncias, nem discriminações, nem condições.

O bem faz-se só porque é bem, pois o bem que fazemos também deve melhorar aquele que o faz.

7 – Quando começou o movimento das Misericórdias?

Em bom rigor Histórico, deve dizer-se que foi com o próprio Jesus Cristo quando no evangelho diz: “Bem aventurados os misericordiosos, porque hão-de alcançar a Misericórdia”. (MT. V, 7: Lc. VI, 36). Mas como movimento organizado em Irmandade ou Confraria, ele está bem patente já nas primeiras comunidades cristãs, das quais se diz que os irmãos “estavam todos unidos num só coração” e “numa só alma”. (Act. IV,32:E), assim, instituíram os “serviços das Mesas” para atendimento dos mais carenciados, criando um corpo de “diáconos”.

Ao longo dos tempos ele tomaria uma forma de mais definida organização, designando-se mesmo por “Confraria” ou “Irmandade”, em 1244, na cidade de Florença, com o providencial impulso de S. Pedro, Mártir, da ordem dos pregadores.

8 – O que motivou a criação das Confrarias de Misericórdia?

As constantes guerras de grupos, classes, cidades e forças políticas e outras organizações de luta e ambição, já na alta Idade Média, que fizeram dos caminhos campos de batalha, motivando assim alguns cristãos mais generosos a meterem-se de permeio, como “avindores”, ou seja, congraçando os desavindos e gritando “Piedade! Piedade!” “Misericórdia! Misericórdia!”, de mãos estendidas, juntas, ou de braços abertos, ficando designados por “mãoposteiros”.

9 – Por quem foram Criadas as Misericórdias?

Somente por leigos que se constituíam em grupos interventores, ficando, todavia a merecer, da parte da Igreja as melhores benções e apoios. São, portanto, as Misericórdias uma instituição genuinamente laical; ou seja: de Leigos cristãos, mas não de cariz laico. São, por isso, o grande movimento de mobilização de leigos que mais tradição criou e atravessou os tempos, sem nunca se desactualizar.

10 – Como se expandiram as Misericórdias?

Abrandadas as guerras, e intensificando-se com o aparecimento de ordens religiosas, dos mais diversos carismas, as pregações e outras muitas formas de missão, surgiu a época das grandes Peregrinações e Cruzadas junto de Lugares Santos: Jerusalém, Roma, Santiago de Compostela, além de outras muitos Santuários como Colónia, Chartres, Rocamador etc. Motivando-se com isso inúmeras formas de assistência aos peregrinos com a instituição de albergarias, hospitais, leprosarias, e outras muitas formas de acolhimento e apoio, assistência e solidariedade, transpirantes do melhor Humanismo Cristão, mobilizando-se no melhor espirito de “cruzada” e de caridade na prática de acções de bem-fazer, concretizadas e equacionadas segundo as 14 obras de Misericórdia.

11 – Desde quando existem “Misericórdias em Portugal”?

Ainda antes da Instituição oficial e histórica das Santas Casas da Misericórdia, como tais em 1485, já em Portugal era tradicional e antigo, e logo desde os alvores da nacionalidade, o culto de Nossa Senhora sob a dupla invocação de Nossa Senhora da Piedade e Senhora da Misericórdia, não só como orago de igrejas paroquiais e conventuais, mas também como patrona tutelar de Irmandades, ou Confrarias, com igual designação, e que chamaram a si o testemunho publico do exercício da caridade cristã.

12 – Alguns exemplos mais significativos?

De entre muitos, a confraria de Nossa Senhora de Rocamador, de auxílio e apoio a peregrinos, e já presente em Portugal desde 1189, e de tal acção e influência que a rainha Santa Isabel a designaria já como “Misericórdia de Rocamador”, no seu testamento. Também na Sé de Lisboa se instituiria a irmandade de Nossa Senhora da Piedade, em torno de quem se desenvolvia já uma grande devoção nos tempos de D. Sancho II (1209-1248), com bandeira própria, cuidando de sepultar os mortos; e, segundo piedosa tradição, tendo já acompanhado o Pai de S. António à Forca, injustamente acusado de homicídio. Até se designava a capela situada no claustro por “da Terra Solta”, por causa do Chão Térreo; e “Nossa Senhora do Pincel” , por causa das borlas pendentes da bandeira, e que simulavam pincéis.

13 – Qual o tempo Histórico exacto da instituição oficial das Misericórdias em Portugal?

Precisamente em 15 de Agosto de 1498, e na capela de Nossa Senhora da Piedade (da terra solta), retomando-se uma já muito devota e antiga tradição portuguesa, e dando-lhe novas formas e programas de acção, num compromisso equacionado segundo todas as 14 obras de Misericórdia, o que as tornou classicamente originais e mais abrangentes do que todas as anteriores.

14 – A quem se deve a gloriosa instituição das nossas Misericórdias?

Ao generoso empreendimento da Rainha D. Leonor de Lencastre, viúva do rei D. João II, sendo seu grande conselheiro e protector em Roma, o Cardeal D. Jorge da Costa (Alpedrinha) já muito ligado à família real portuguesa desde D. Afonso V e eminente figura de prestigio junto do Vaticano.

Mais perto da Rainha, poderá ter sido o frade Trinitário Frei Miguel Contreiras, seu confessor, e grande apóstolo dos pobres e dos marginalizados nas ruas de Lisboa. Por deferência de muito significado, e por gesto de humildade pessoal, não quis a Rainha figurar nas bandeiras como instituidora ; mas consignou na escritura da fundação que ela lhe deu: “permisso, consentimento e mandado” tal como o colégio da Sé onde se instituiu lhe deu “ortorga, autoridade e ajuda”. Ficariam assim as Misericórdias como obra de “Homens Bons”, que a Corte apoiava, e que a Igreja abençoava, mas respeitando, uma e outra, a necessária autonomia”. Assim pode dizer-se que, de futuro, as Santas Casas, como o povo agradecido a havia de canonizar, formariam com a autoridade civil e a hierarquia eclesiástica uma trilogia de intenções, de formas e de projectos convergentes , e no melhor espirito de parceirismo em prol da comunidade, e que se poderá equacionar em: Município, Matriz e Misericórdia.

15 – Qual a diferença específica entre as Misericórdias ditas de Florença, ou de S. Pedro, mártir, e as da Rainha D. Leonor?

É que, enquanto a de Florença, como, aliás, também as tradicionais Confrarias, tinham o seu “compromisso” – “estatuto” – equacionado apenas à base das 7 obras de misericórdia corporais, as de D. Leonor programaram o seu Compromisso segundo a letra e o espírito das 14 obras de misericórdia, o que lhes deu a abrangência de uma programática assistencial de cariz universal, mais abrangente e globalizante, porque atendia ao homem todo – corpo e alma – e a todos os homens, sem qualquer discriminação, ou seja: equivalente a uma verdadeira revolução assistencial no Reino e para a época de então, e lhes garantiu um carisma único de sobrevivência e perpétua actualidade.

16 – Qual é a lei fundamental das Misericórdias?

As Misericórdias, como instituição organizada de cidadãos mobilizados em voluntariado de fraternidade associativa – por disposição espontânea ou por convite – só têm uma lei especificamente evangélica: a caridade, objectivamente concretizada nas palavras de Jesus Cristo: “amai-vos uns aos outros como irmãos” (Jo. XIII,34), retomadas por S. João: “de tal modo Deus nos amou, que nós devemos amar-nos uns aos outros” (I Jo.IV,41).

17 – Como são as obras de misericórdia expressão e testemunho dessa lei?

Definindo-se a caridade como a virtude e graça de amar a Deus sobre todas as coisas, porque só por ele nos sentimos verdadeiramente amados; e, tornando-se lei da Nova Aliança, ela implica, como seu complemento directo, a prática de “amarmos todo o próximo como a nós mesmos” E nisto se sintetizam e conformam” a Lei e os Profetas (MT. VIII,12).

18 – Será que o número 14 das obras de misericórdia, tão antigas como o Evangelho, ainda se podem equacionar segundo as exigências e carências sociais de cada época?

Consistindo a caridade na virtude de “Amar a Deus e ao próximo”, só o seu carisma divino deve estar em foco, sem quaisquer outras segundas intenções, acomodando-se, no entanto, a todas as formas concretas de que o amor se há-de revestir, para se expressar com todo o sentido de premência e actualidade, segundo as exigências e necessidades de cada comunidade, as carências de cada território, frente aos desafios de cada tempo, procurando ser, segundo a linguagem de cada época, uma resposta pontual e pronta, frente às emergências mais exigentes, com serviços sociais de obras concretas e permanentes, que se imponham pelo seu poder de intervenção rápida e pelo seu sentido de expressão convicta e convincente de humaníssima e cristã solidariedade; e até como exercício generoso do melhor direito de cidadania interveniente.

19 – Qual o Cariz Globalizante das Obras de Misericórdia?

De duplo significado e valor, assim:

1. Sendo 7 obras de misericórdias corporais, e 7 obras de misericórdia espirituais, elas abrangem o Homem todo, em corpo e espírito;

2. Estando o seu enunciado equacionado para todo o sempre, e conforme o espirito universalista do Evangelho mandado anunciar a todos os homens, a todos os povos, e em todo o mundo, elas abrangem a universalidade da humanidade, sem qualquer sombra de discriminação.

3. Permitindo a sua interpretação equacionar-se segundo as sempre novas carências de cada tempo e cada povo, elas abrangem os séculos todos e todas as situações de carência, conforme o tipo de fome, de sede, ignorância ou carência de que se sofra, e que em cada época tomam cariz diferente.

4. Sendo assim, elas são a síntese da mais universal abrangência que se poderia ter equacionado no sector existencial da solidariedade, nunca perdendo actualidade nem lhes faltando oportunidade.

20 – Será que o numero 14 tem algum simbolismo, ou é uma unidade meramente taxativa, limitativa da generosidade?

Sendo o total de 2 x 7 (duas vezes sete), o número 14 que equaciona as obras de misericórdia é um número profundamente simbólico, já que o número 7, tanto na interpretação bíblica como na mitológica, é símbolo da totalidade, da completude, do “sempre mais”, “mais longe”, “mais alto” e “mais perfeito”. Segundo o dizer de João Paulo II, será o número que significa “inventar cada dia os meios que melhor podem servir os irmãos… até ao extremo do amor. Pois é o serviço para com os outros que transforma a existência”. (Na Jornada Mundial da Juventude em Paris, Verão de 1997).

21 – O que é o Compromisso da Irmandade da Misericórdia?

È o texto fundamental e estatutário de todo um corpo de doutrina, organização, comportamento, mordomias e actividades, bem como calendário de celebrações e acções a desenvolver, tendo em vista 2 objectivos muito específicos e entre si complementares:

– O culto de Jesus Cristo e da Senhora da Misericórdia;
– E a prática organizada e disciplinada das 14 obras de misericórdia segundo uma certa premência de valores e de urgências em prol dos mais carentes;

22 – Um Compromisso não será o mesmo que um Estatuto?

A palavra estatuto introduziu-se no vocabulário das Misericórdias, mercê de uma política de laicização por um liberalismo anticlerical de 1834, querendo que as Misericórdias se equiparassem a meras instituições laicas, introduzindo-se a designação de Estatuto ou regimento, para estarem nas malhas da burocracia a par de quaisquer outras instituições que o Estado queria controlar; mas as Misericórdias que se prezam e querem ser fiéis à sua vocação e missão de Santas Casas devem procurar na pureza das suas fontes e das suas raízes a força da sua identidade, e optarem por ter, não um mero estatuto, mas um Compromisso que os irmãos, para o serem, assumirão, e se empenharão em respeitar e cumprir, testemunhando-o até como regra pessoal de viver.

23 – Como e quando foi elaborado o Compromisso?

Por determinação da rainha D. Leonor, com o apoio pessoal e directo de Frei Miguel Contreiras, mas também com o aconselhamento e patrocínio autorizado do Cardeal de Alpedrinha (D. Jorge da Costa), e mandado imprimir, ilustrar e dar à estampa com o melhor e mais requintado cariz artístico pelo rei D. Manuel I, irmão da Rainha, e que sempre apoiou a providencial obra de D. Leonor.

24 – Qual é o genuíno , histórico e tradicional estatuto jurídico das Misericórdias Portuguesas?

O de instituições privadas de solidariedade social empenhadas na prática e no testemunho da caridade cristã, e em tudo quanto sejam modos de intervenção e assistência social, embora com duas vertentes bem especificas, que as tornam numa instituição de “fronteira” e de convergência entre a Igreja e o Estado, merecendo de ambos o estatuto jurídico de, como instituições sociais, serem consideradas “corpo intermediário” complementar e colaborante e de utilidade pública.

Estas duas vertentes são explicadas por um lado, sendo Irmandades, no sentido mais histórico e tradicional, com objectivos definidamente religiosos, com templos privativos de sua propriedade, prestação de serviços religiosos e celebração de culto, dispõem de um estatuto canónico, cuja ortodoxia estará confiada à tutela da Igreja, bem como à aprovação do seu compromisso quando revisto e actualizado, para uma garantia de fidelidade de doutrina e disciplina canónica; por outro lado, como instituições de solidariedade social, têm objectivos assistenciais específicos, tocando com a esfera de acção social dependente ou (e) apoiada pelo Estado, reconhecendo-as como tais, verdadeiras instituições de “utilidade pública”, de colaboração e complementaridade, à luz dos princípios que regem um sistema de Pacto Social mútuo, concretizado em acordos de cooperação e complementaridade, mas nunca de atropelo, conflitualidade, ingerência e de qualquer intervenção conflituosa que ameace a sua ortodoxia e autonomia.

25 – Que outra característica assinala a autonomia das Misericórdias?

A de que nem uma só Misericórdia, que se saiba, a começar pela de Lisboa, com a Rainha D. Leonor como sua maternal progenitora, foi instituída pela força de dum decreto oficial do Estado, nem por virtude de um despacho canónico da igreja. Foram, sim, em toda a parte, e sempre, iniciativa de cidadãos leigos, no seio e em favor da comunidade, testemunhando, pelo exercício generoso da caridade, a sua fé, até mesmo como forma e expressão do seu indiscutível e indesmentível amor à Pátria, mas vista e sentida na pessoa dos concidadãos mais carenciados.

26 – Que influencia tiveram os soberanos em relação às Misericórdias?

Por um lado, recomendando a sua instituição, sim, mas aconselhando primeiro a que fossem os “Homens Bons” de cada vila e cidade do Reino a tomar a iniciativa da sua instituição, enviando-lhes, quanto muito, emissários com cartas régias sugerindo, mas não impondo, muito embora, e logo desde o início, considerando-as como Irmandades, D. Manuel as declarasse como obras de protecção régia. Por outro lado, abençoou e indulgenciou a hierarquia eclesiástica a sua instituição, como obra especificamente de leigos cristãos comprometidos em Irmandades de bem fazer, prezando-se mesmo muitos Bispos e também muitos sacerdotes de quererem ter a honra de serem contados entre os confrades, e até Mesários e Provedores.

É que as Misericórdias, não sendo instituições propriamente clericais, foram, e sempre serão actividade cristã de leigos professos e empenhados no testemunho de uma caridade activa e sempre actuante e segundo expressão de uma eclesialidade sua muito própria.

27 – Existiu alguma vez intervenção do Estado ou da Igreja em situação de algum melindre ou contenta?

Sim, há disso algumas notícias, esporádicas, mas não sistematicamente afectantes da natureza, vocação, missão e autonomia das Santas Casas. Alguns Exemplos?

Quando o Estado Laico, liberal até ao anticlericalismo intransigente, minado de ideais absolutistas e totalitários se arrogou atitudes de intervenção ou despachos de absorção de bens e serviços, que comprometiam o carisma religioso e os direitos históricos das Santas Casas, então a hierarquia eclesiástica interveio com frontalidade e energia, embora, por vezes, sem o aparato de mera publicidade mediática. E quando num caso ou outro apenas esporádicos, alguma Hierarquia da Igreja exagerou seus poderes e pretensos direitos de intervenção, designadamente no sector administrativo de bens e valores patrimoniais das Misericórdias, o Estado serviu de árbitro, através dos seus agentes jurídicos e dos tribunais, defendendo a tese de autonomia.

Mas, num caso ou noutro, as duas instituições, têm vez e poder de intervenção, mas apenas como tutores de uma ortodoxia e fidelidade ao Compromisso, como meros árbitros, e não como dominadores, com função meramente tutelar, e não como direitos de domínio, propriedade e senhorio.

28 – De que atenções especiais foram alvo as Misericórdias Portuguesas por parte da Igreja?

Logo desde o início da sua instituição tiveram um particular e muito devotado patrocínio da parte do cardeal D. Jorge da Costa (Alpedrinha) que, desde Roma, onde o seu prestigio era de muito considerável importância junto do Papa, generosamente as apoiou.

O Arcebispo de Lisboa, D. Martinho da Costa, irmão do cardeal, e do Cabido da Sé, do qual se diz que à instituição da Irmandade na Capela da Terra Solta, da Sé, deu “ortorga, autoridade e ajuda”, sendo essa instituição motivo e ocasião do mais rasgado aplauso e congratulações jubilosas.

E sobretudo em 1499, o Papa Alexandre VI, pela Bula pontifícia “Cum sit Carissimus” de 23 de Setembro, não só confirma a erecção da Misericórdia de Lisboa, como abençoa, e privilegia com graças espirituais os fundadores, Mesários e Irmãos.

A partir de então, e até agora, sempre o Episcopado português, salvo um caso ou outro, meramente pontual e episódico, mas sem repercussões de assinalar – abençoou e apoiou as Misericórdias, não só defendendo a sua identidade e autonomia, em datas e situações mais criticas como em 1945 e em 1975, como subscrevendo públicas afirmações em Congressos, Jornadas, Encontros, Convenções, tomas de posse de algumas Mesas e Secretariados Regionais, e Celebrações festivas ocasionais.

De sublinhar ainda que muitas Irmandades de Misericórdia registam nos seus arquivos e espólios patrimoniais Bulas e outros documentos de cariz canónico e pontifício, abençoado e concedendo graças e privilégios especiais do mais significativo sentido e apreço.

29 – Que valores culturais se podem equacionar na vocação, mensagem e missão das Misericórdias?

Cinco a saber:

1- Origem e inspiração cristã, com uma densa carga teológica da mais forte e sublime sociologia, expressa em todo o texto do seu Compromisso;

2- Sua ordenação em jeito de Irmandade ou Confraria, como única forma associativa congregando os homens da mesma fé, preocupação e missão, qual é a de viverem e cumprirem uma caridade em colectivo, o amor em plural, pois é como irmãos de todos os homens que Cristo manda que nos amemos e nos coloquemos ao seu serviço: em seu Nome.

3- Omnivalência das 14 obras de Misericórdia, pluriabrangentes de quantas carências se possam suspeitar, para se lhes dar resposta, sob as mais generosas e diversificadas formas de assistência :Mutualismo e Solidariedade, Economia e Promoção Social, Sentido da Vida e mensagem de esperança junto dos que mais precisam;

4- Autonomia e isenção, mas ao mesmo tempo, respeito e colaboração, sempre numa missão de entendimento e de complementaridade de serviços, função e missão, frente às duas grandes instituições: a) Estado, que sempre respeitou a sua autonomia e as apoiou, mas sem delas se apropriar, exceptuadas apenas algumas situações anómalas; b) Igreja, que sempre as abençoou, mas sem nunca lhes afectar a originalidade de serem obras de leigos apostados em darem testemunho da sua fé na prática organizada do bem, segundo o espirito do evangelho, e que sempre foram beneficiadas com a característica canónica da isenção.

5- Universalismo e ecumenicidade, uma vez que, tendo como paradigma de comportamento e de acção a figura e o exemplo cativante do Bom Samaritano, não se faz destrinça, nem de credos, nem de religiões, nem de culturas, nem de políticas, nem de longitudes ou latitudes geográficas e sociais, cuidando apenas e só, de se fazer o bem, unicamente porque é bem.

30 – Pode dizer-se que as Misericórdias, na sua dupla função e característica de “Voluntariado e serviço, são uma continuação da missão dos diáconos da primitiva igreja?

Sobre isso não devem restar dúvidas, embora oficialmente o facto não seja reconhecido como tal. A missão de diaconia, ou seja, de “Homem servidor”, (do grego Diakonos), é o que dá o mais exacto sentido às Misericórdias – assim o demonstrou com eloquência e verdade o insigne mestre que foi Fernando da Silva Correia em “Das Dioconias ao Serviço Social Moderno” (1938).

Isso foi sublinhado, e logo desde o inicio da sua instituição, como uma das, características mais nobres e profícuas no exercício da caridade cristã que ainda é e sê-lo-á sempre, o nome mais nobre da solidariedade. “e não há filantropia que valha uma irmã da caridade”, como confessou um dia Napoleão.

É que a missão de irmãos servirem irmãos, e desempenharem missões de serviço à comunidade, vem já bem posta de em foco logo desde as primeiras comunidades cristãs, designando-se os diáconos como “homens investidos no serviço da caridade e da administração dos bens da igreja mas em favor dos mais pobres”. Talvez deva sugerir-se aos Irmãos das Santas Casas que leiam e releiam as sagradas páginas bíblicas designadamente nos actos dos Apóstolos, VI 1 e segs; Epístola aos Filipenses, I, 1 e a 1ª 1 Timóteo, III, 8 e segs.

É certo que a partir da Idade Média, ou um pouco mais tarde, o ministério dos diáconos, como estava consignado, e em exercício na Igreja primitiva, entrou em decadência.

Mas a grande verdade também é que foi a partir dessa data que Confrarias, Irmandades, Corporações de Fieis, Misericórdias, Ordens Terceiras e outras instituições de espontânea organização dos fiéis, mas sempre com a benção e o aplauso da hierarquia, chamaram a si todas as mais diversas missões e formas de servir a comunidade, sobretudo nas mais variadas maneiras de acudir aos pobres, aos doentes, aos excluídos, aos mortos, aos condenados, aos peregrinos, cuidando de inventar as mais acomodadas respostas às mais urgentes, e por vezes estranhas, necessidades.

E de tal forma a sua missão e acção se impuseram que, nos livros do século VXI – século de oiro das Misericórdias – a diaconia foi definida nos dicionários e vocabulários como “missão de quem está ao serviço de… e de alguém que serve”.

31 – Segundo a letra e o espirito do compromisso quais devem ser as características (testemunhas do carácter) principais dos irmãos de uma Irmandade da Misericórdia?

Conforme se determina logo na elaboração do 1.º e histórico Compromisso, embora como a futura adaptação de estilo e linguagem, mas sem alterar o espirito do que é essencial, as qualidades a exigir devem ser estas:

I – Irmãos: Para serem recebidos por Irmãos, os candidatos – “além de serem Homens de boa consciência e fama, tementes a Deus, modestos, caritativos e humildes, quais se requerem para servir a Deus e a seus pobres com a perfeição devida, hão-de ter ainda entre outras, algumas condições que se podem expressar deste modo:
– Ser limpo de Sangue;
– Ser Livre de toda a Infâmia;
– Ter idade conveniente;
– Ser de bom entendimento e saber;
– Ter meios que bastem, para não se servir dos bens da irmandade, nem se suspeitar de que poderá aproveitar-se do que lhe correr pelas mãos.

I – Mesários e Provedor:
– Será homem nobre de autoridade;
– Virtuoso de boa forma;
– Muito humilde e paciente pelas desvairadas considerações dos homens com que há-de usar e praticar;
– Repartir entre si todos os cargos segundo o que “mais for serviço de Deus”;
– E para os quais cada qual se sentir ”mais auto”, ou seja apto em condições de melhor servir, os objectivos da Misericórdia ;

32 – Que Recomendação especial sublinha o Compromisso além dos cuidados a prestar aos pobres?

“A de fazerem amizades” onde quer que haja desavenças entre pessoas, e para isso forem requeridos e farão por que todos se perdoem pelo amor de Deus uns aos outros todo o erro e injurias e outras quaisquer coisas semelhantes e a de que todos vivam em paz e amor ao senhor Deus e dos próximos, para que não haja ódios nem mal querenças. Será o serviço designado por “avindores”, ou congraçadores de desavindos . A missão de “Avindor ou “Avindeiro” – aquele que procura por em concordância os desavindos – missão tão recomendada no evangelho (mt. XVIII,15; Prov. XXVIII, 23; Ecles.VII,6), é sublinhada em Vita Christi: “nom som Juiz da desavença, mas avindor do ajuntamento na paz”.

Os avindores, como mediadores voluntários, foram reconhecidos e tão apreciados como pessoas de tanta autoridade, que a sua missão acabou por ser instituição pública e oficial em Portugal, chegando a conceder-se-lhes o cargo de autoridade, que viria a ser designada por “Juiz de Paz”.

33 – Pode ter-se algum exemplo paradigmático da missão de avindor na História de Portugal?

Dois, pelo menos podem referir-se como mais significativos:

1 – o de Egas Moniz de corda ao pescoço com sua família, indo junto do rei de Leão;

2 – O da Rainha Santa Isabel, congraça de D. Dinis e seu filho D. Afonso na Batalha de Alvalade, e de outra vez, juntando D. Afonso IV, seu filho, e D Afonso Sanches, filho bastardo de D. Dinis em Guimarães para apaziguar as duras contendas entre ambos.

34 – Como deve ser feita a admissão de um candidato a irmão?

Conforme as melhores tradições, e segundo o mais claro espírito da Santa Casa, a admissão do candidato, fazia-se mediante petição – hoje ficha de inscrição – e sobre a qual recaía informação tirada acerca da sua vida, intenções e costumes; e depois de uma votação dos irmãos, só poderia ser aceite aquele que reunisse no seu nome “de 22 Favas brancas para cima” .

Tenha-se na divida conta que a Confraria desde sempre se sublinhou que deveria ser composta de “Irmãos de boa fama e sã consciência e honesta vida, tementes a Deus e guardadores dos seus mandamentos, mansos e humildosos a todo o serviço de Deus e da dita Confraria”.

35 – Admitindo um candidato a Irmão como membro efectivo da Confraria, ficava o mesmo ligado por um simples despacho da Mesa, ou tinha de assumir, por sua honra, o juramento de algum compromisso?

Tanto quanto consta dos diversos compromissos, pelo menos até 1618, de todos constava a fórmula de um juramento que se reproduz nos termos em que alguns foram identificados:

a) – «Por este Santos Evangelhos, em que ponho as mãos, juro servir n’esta Mesa, conforme o Compromisso D’ella, e de votar em Deos em minha consciência em tudo que for proposto, e convier ao serviço de Deos, e a bem d’esta Irmandade; debaixo do mesmo juramento prometendo guardar segredo em todas as cousas, que diante de mim se tractarem.»
E no fim, depois da taboa dos capitulos, há também appensos dois formularios de juramentos, feitos à penna, do teor seguinte:

b) – «Juramento do irmãos novos. Por estes Sanctos Evangelhos, em que ponho as mãos, juro de servir a esta Irmandade, conforme ao Compromisso d’ella, e em particular de acudir a esta Casa da Misericórdia todas as vezes que ouvir a campainha com a insignia da Irmandade, ou fôr chamado da parte do Senhor Provedor e Mesa para servir a Deos, e a N.Senhora, e cumprir as obras de Misericórdia, na fõrma em que por elles me fôr ordenado, não tendo legitima causa que, segundo Deos, e minha consciência, me acuse.»

36 – Em que termos desde sempre foi sublinhado o teor de uma Irmandade da Misericórdia, devidamente consignada na letra e intenções do compromisso?

O cronista Trinitário tornou pública a intenção caritativa da instituição quanto aos fins, intenções e especiais obrigações dos confrades, ao escrever no Preâmbulo do primitico compromisso:

« O Eterno, immenso e todo poderoso senor Deos padre das Misericordias começo meio a fim de toda bondade acptando as preces e rogos dalguoso justos e teementes a elle quis repartir cõ os pecadores parte da sua Misericórdia. E em estes derradeiros dias inspirou nos corações dalguns bons e fieis xpãos e lhe deu coração siso e forças e caridadepera ordenarem hûa irmandade e confraria sob o titolo e nome e envocaçam de Nossa Senhora madre de deos e virgem Maria da Misericórdia pera qual irmandade fose e sejam compridas todas as obras de misericórdia assi esprituaes como corporaes quanto possivel for pera socorrer as tribullações e miserias que padecem nosos irmãos em xpo que recebem agoa do Santo Bautismo a qua cõfraria e irmandade foy instituida no ano, etc.»

37 – Porque é a nossa Senhora da Visitação a padroeira do dia das Misericórdias, 31 de Maio?

Porque Nossa Senhora se apressou a prestar a sua prima Isabel todos os cuidados precisos na hora do seu parto, com a mais solicita generosidade, sem olhar às dificuldades e aos incómodos graves da viagem. É por isso, como modelo evangelisamente exemplar, que ela é tida e apresentada na sua festa. É como se fosse Nossa Senhora dos bons cuidados, Nossa Senhora da urgência, Nossa Senhora dos generosos serviços, sem medir distâncias nem por condições. Tornando-se, assim, paradigma e exemplo daquilo que deve ser cada irmão da confraria da Santa Casa da Misericórdia, fazendo das boas acções que presta e dos cuidados em que se envolve para com o próximo mais carecido e excluído, mas em nome de Deus, ou seja, fazendo precisamente aquilo que Cristo faria se estivesse no seu lugar.

Assim dá testemunho da sua fé e torna claro o princípio da bemaventurança, sentindo-se feliz pelo bem que presta e pelos serviços de amor em que se envolve e empenha.

Por essa razão o Compromisso a proclamou Senhora da Misericórdia, celebrando-lhe o acto da sua visitação como festa e dia da Misericórdia.
Logo desde o início da instituição das Misericórdias D. Manuel ordenou que ficasse este solenemente celebrado com procissões em todas as cidades e vilas do Reino, tendo ficado consignado no Compromisso nestes termos:

«Porquanto a envocação desta Sancta cõfraria he de nossa senora da Misericordia, ordenaram os officiais della de tomarem por orago e dia deste dita confraria o dia da visitaçãm quando visitou Santa Isabel, que vem aos dois dias do mês de julho, etc.»

Em 1948 era ainda em 2 de Julho a festa da visitação, mas, depois do concilio Vaticano II numa mais condizente adaptação do calendário na reforma litúrgica optou-se pelo 31 de Maio, por duas razões: ser tempo festivo pascal e remate do mês de Maria.

38 – Porque estão as Misericórdias tão historicamente conotadas com a mordomia das procissões da semana Santa, e promoção da celebração das Endoenças, e culto da Nossa Senhora das Dores, e dos fiéis defuntos?

Por duas razões de muito respeitada tradição:

1.º – porque, sendo o calvário, com o sacrifício de Cristo a maior fonte da misericórdia de Deus para a salvação da humanidade, e a cruz, a medida divina da universalidade do seu perdão paternal, sem qualquer forma de discriminação, as Misericórdias assumiram desde sempre a missão de darem testemunho de tudo isso, sendo assim promotoras de uma catequese pública da misericórdia divina;

2.º – porque tendo-se instituído a 1ª Misericórdia na capela de Nossa Senhora da Piedade, onde uma confraria anterior, e já muito antiga, era protagonista dessa missão, com bandeira consignada com a imagem da Pietá, se achou por bem manter a piedosa tradição de tanto mérito, virtude e significado, a pontos de a devoção a Nossa Senhora da Piedade se ter tornado numa devoção generalizada do povo português, no continente e em todo o mundo onde chegaram e deixaram testemunho da sua presença e da sua fé.

39 – Porque estão as Misericórdias tão conotadas com a simbologia da morte, utilizando no seu brasão (as mais Antigas) Uma caveira e a cruz, a par do escudo nacional e da coroa, ficando ao mesmo tempo tão comprometidas com o culto e sufrágio dos mortos e romagens aos cemitérios em 2 de Novembro, ou festa dos fiéis defuntos?

Porque uma das primeiras e tradicionais acções benemerentes das Misericórdias foi a de darem e cuidarem da sepultura dos condenados, não só acompanhando-os ao cadafalso, entre preces e ladainhas, e a pontos de falsificarem algumas vezes a corda do enforcamento (quando havia suspeitas de gravosa injustiça na pena) para que o condenado não morresse, pondo-se-lhe logo a bandeira em cima, para ficar sob protecção da Santa Casa, mas também tomarem à sua conta os que morriam ao abandono, ou lhes era recusada sepultura oficial. Perante o patíbulo da forca e da fogueira e o panorama de um cemitério, se a caveira simbolizava a morte, a cruz lembrava a esperança numa vida eterna para lá do tempo, tal como desde sempre foi sublinhado no credo da fé cristã: “Creio na ressurreição dos mortos e na vida eterna”.

Eram assim as Irmandades da Misericórdia as mensageiras da esperança.

Por essa razão elas exercem ainda a piedosa mordomia de promoverem anualmente, nas festas dos Fiéis Defuntos, ou Dia de Finados, a romagem devota aos cemitérios e a celebração de Exéquias por alma dos Irmãos falecidos e dos Benfeitores da Santa Casa, dando assim cumprimento a uma das disposições do seu real e histórico compromisso onde se diz: “Capitollo da deuaçam dos Fiees de Deus”.

Esta devota praxe e piedosa tradição das Irmandades da Misericórdia foram muitas vezes contempladas não só com directivas pastorais de muitos Sumos Pontífices que prenderam muitas Santas Casas com Bulas próprias e outros documentos indulgenciando e abençoando as Irmandades empenhadas na cruzada de sufrágios pelas “Benditas Almas”

40 – Poderá ainda referir-se mais alguma tradição?

Sim, a de muitas Misericórdias terem tomado a sua conta o zelo pela preservação, conservação, e manutenção dos tão portugueses e devotos nichos e santuários, conhecidos como “Alminhas”, e outros testemunhos históricos da religiosidade popular como cruzeiros e nichos religiosos.

41 – Que significa a coroa que se sobrepõe em todos os emblemas?

Por um lado, e tendo o emblema histórico do escudo português, que afirma as Misericórdias como uma verdadeira causa Nacional, a coroa significa a realeza dos soberanos, sempre generosos protectores das Santas Casas.

Posteriormente, e tendo-se substituído a cruz tradicional pela pomba , significara o profundo cariz mariano das Misericórdias, sob a invocação de Nossa Senhora da Misericórdia, tendo o Espirito Santo como fonte divina da Caridade, como se diz na invocação paracletiana: “Vinde, Pai dos Pobres”.

Por outro lado, lembrará ainda que no historial das Misericórdias Portuguesas, muitas foram herdeiras e continuadoras das tradicionais Confrarias-Império do Espírito Santo, da generosa fundação pela Rainha Santa Isabel, e de cujo programa assistencial foi renovadora e continuadora D. Leonor.

42 – E que significa o camaroeiro?

Lembra, por um lado, a rede caridosa onde um pescador da ribeira de Santarém recolheu o corpo morto do Infante D. Afonso, filho de D. Leonor; mas, por outro, lembrará sempre todas as linhas da Fraterna solidariedade entre fiéis cristãos de uma Irmandade, para recolha de esmolas e contributos a fim de serem distribuídos como auxilio a quem mais precisa, constituindo-se assim, entre “os Homens bons” de hoje, a rede da mais preciosa e significativa solidariedade cristã.

43 – Nos emblemas actuais, e a partir do exemplo dado pela União das Misericórdias, aparecem ainda a rosa e a estrela de sete pontas e de sete pétalas. O que significam?

A estrela, como significando o céu, fonte de toda a luz e inspirador de todo o céu, fonte de toda a luz e inspirador de todo o bem, recordará as sete obras de misericórdia espirituais. A rosa como símbolo da Mãe divina, em diversas teogonias, também significa a perfeição acabada, e lembrará, com as suas sete pétalas mais em evidência, as sete obras de misericórdia corporais.

E assim: escudo e coroa, camaroeiro, rosa e estrela serão um símbolo integral com que se identificam hoje as Misericórdias, na sua vocação e missão repletas do mais sublime significado.

Ter-se-á em conta que o número sete é dos mais chios de simbolismo em todas as maiores crenças do mundo. Segundo a Bíblia é o significado de plenitude e de totalidade, e caracteriza também a perfeição.

44 – Poderão referir-se algumas efemérides de mais impacto no historial das Misericórdias, após 5 séculos?

Sim.

1 – Após a sua fundação a 15 de Agosto de 1948, a sua rápida e generosa expansão por todo o território continental;

2 – Com as viagens náuticas dos descobrimentos e constituídas a partir de 1500, a sua vasta divulgação por todas as bandas do mundo por onde os portugueses se espalharam e onde foram evangelizadores;

3 – em 1755, com o terramoto muitas Casas da Misericórdia foram abalroadas, e destruídos pelo incêndio muitos arquivos, incluindo a de Lisboa, desaparecendo mesmo uma bula pontifícia.

4 – Em 1811, com a limpeza do invasor napoleónico da península que depauperou o povo português e que pilhou e delapidou o tesouro e o património de muitas Misericórdias optou-se por uma reimplantação estimulante das Santas Casas, como única instituição de mais condizente urgência e validade.

5 – em 1834, som o domínio do liberalismo laico e laicizante, com a estatização da Misericórdia de Lisboa, com o estrangulamento oficial da sua irmandade, e com manifestos e muito gravosos reflexos, os mais negativos, no conjunto geral das Santas Casas.

6 – em 1910, com o advento da 1ª República e o seu cariz anticlerical e laicizante, sofre-se uma acentuada “paisanização” das Misericórdias, alterando-se mesmo a linguagem tradicional de caridade para dar lugar a Filantropia, sofrendo-se ainda da intromissão de forças políticas na disputa pelas Mesas das Misericórdias.

7 – Desfalcadas do seu património, sobretudo a partir das chamadas leis de desamortização de 1881/86, cujos reflexos ainda então se sentiam, as Misericórdias promovem o 1.º Congresso em 1924, em que se denunciam as gravíssimas dificuldades por que passavam.

8 – 1929, 2.º Congresso, sublinhando o estado de profunda carência e dificuldades económicas das Misericórdias, vincula profundamente a ideia de uma retoma na sua orientação beneficente e caritativa, segundo os princípios doutrinários da sua criação.

9 – em 1932, o III Congresso pugna por uma mais definida autonomia das Misericórdias em relação ao Estado e sua dependência financeira, optando-se por uma maior vinculação à caridade particular criando-se a partir de então a tradição dos cortejos de oferendas, que o povo organizou e animou como uma autêntica “festa de dar” foi sua iniciadora D. Silvia Cardoso.

10 – 1945 – por iniciativa de Oliveira Salazar, esteve iminente um decreto ameaçador da unidade das Misericórdias, sendo o que se ficaria a designar por Santa Casa (culto religioso) e Misericórdia (hospitais), ficando estes mais sob administração do Estado. Evitou a publicação desse decreto o Cardeal Cerejeira, em carta de 22 de Agosto de 1945.

11 – Correndo o V centenário da Rainha D. Leonor o IV Congresso foi uma retoma dos caminhos históricos das Santas Casas, sua vocação, missão e expansão.

12 – Com a revolução de Abril de 1974, sofreram as Misericórdias novo embate com a nacionalização dos seus hospitais, ficando depauperadas de uma das suas valências mais históricas e tradicionais, correndo-se mesmo o risco de as Santas Casas serem extintas por um simples despacho do secretario de estado da Segurança Social.

13 – em 24 de Março de 1975, realiza-se por iniciativa da Santa Casa de Viseu, sendo Provedor o Pe. Dr. Virgílio Lopes, uma reunião de alguns provedores, para análise da situação tomada de providências em relação ao futuro.

14 – Em assembleia geral do Episcopado, a Conferência Episcopal, num documento de 30 de Abril de 1976, criticou e lamentou toda a situação, condenando as disposições legislativas tomadas “sem o menor” entendimento com a Igreja.

15 – Surgindo o V Congresso em Viseu, em Novembro de 1976, e analisada com frontalidade a gravosa situação das Santas Casas, foi criada a União das Misericórdias Portuguesas, a qual, desde então tem sido o mais forte, inteligente, e solicito interlocutor com os governos e parceiros sociais, a partir de então, registando-se não só uma retoma de confiança das muitas Misericórdias até então mais fortemente penalizadas pelos acontecimentos, assim como a criação de novas unidades das Santas Casas, não só no território nacional, como também entre Comunidades Portuguesas no estrangeiro, e apoio a uma recuperação de Misericórdias nos territórios do antigo ultramar Português.

16 – Finalmente, estabelecidos contactos com Misericórdias de outros países e latitudes e tradições, sobretudo Brasil, Espanha e Itália, foram-se criando federações internacionais com congressos e convenções, culminando todo este generoso processo com o jubilar e jubiloso encontro mundial das Misericórdias com o Papa João Paulo II, no convénio de Florença na celebração dos 750 anos da 1ª Irmandade a de S. Pedro Mártir, onde as Misericórdias receberam a histórica consigna pontifícia como programa a definir as Santas Casas no limiar do ano 2000 como “um exército pacífico de fautores da civilização do Amor e promotores da Cultura da caridade”.

45 – Que sentido dar ou em que conta ter a pontifícia consigna que João Paulo II confiou às misericórdias no encontro jubilar do convénio de Florença, em 14 de Novembro de 1993?

O sentido de uma muito paternal missão que permita às Santas Casas serem evangelizadoras e fermento de transformação dos novos tempos, de modo a dar ao século novo, o XXI, a alma que todos desejamos que ele tenha.

46 – Conhece todo historial da consigna “As Misericórdias um exército pacifico de promotores e fautores” da “Civilização do Amor”, e animadores de uma “cultura de Caridade”?

O enunciado “Civilização do Amor”, foi uma palavra de Paulo VI, esse Pontifico tão devotamente empenhado em manter a ortodoxia da fé do Povo de Deus, na fidelidade ao seu credo, que a repetiu mais de 20 vezes em seus escritos, mensagens, homilias e Encíclicas e exortações e Cartas Pastorais, empenhado como estava em fazer sentir a todos que o “Homem não pode viver sem amor”. Por sua vez, João Paulo II, retomou o dito de Paulo VI, e fez dele o ponto de partida para uma nova missão onde o amor, mais do que simples marca de uma civilização, fosse a alma de uma “Cultura de Caridade”.

E também ele, desde as homilias, as mensagens, e outros escritos pastorais, nunca deixou de sublinhar essa maravilhosa formula equacionada em binómio: “civilização do amor e cultura de caridade”. Como única fórmula que pode e tem virtude capaz para ser fermento e força criadora de uma “Sociedade nova”, em que a Maria seja “o espelho da verdade e a rainha da esperança”.

Fonte: http://www.ump.pt/ump/

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